mardi 16 octobre 2007

o dasein romântico da Floresta Negra

o meu lado voyeur aprecia janelas, principalmente em Paris, onde vivo rodeada por elas, mas ele se excita ainda mais ao explorar correspondências íntimas, um campo em que as almas se despem com menos timidez e entregam uma parte da sua essência. toda alma tem a sua beleza, mesmo que o ser esteja aprisionado a um corpo que não se ama.

"Ma chère petite âme: Lettres de Martin Heidegger à sa femme Elfride" é uma janela e tanto. as cartas, selecionadas pela neta do casal, Gertrud, nos entregam não um dos maiores filósofos do século XX, mas o homem Martin, o "petit Maure" (pequeno mouro) de Elfride, um marido que se sentia inferior a ela, deusa alta e loura, símbolo da Alemanha ariana que se consolidava; o marido traído que tentava superar o orgulho ferido espezinhando o intelecto do seu rival burguês, o médico Friedel Caesar, e pai biológico de seu caçula Hermann; o conquistador contumaz de mulheres (a judia Hannah Arendt entre dezenas delas) que arriscava explicar com mitologia, à Elfride, "os seus passos essenciais".

as cartas abrangem o período de 1915 a 1970 e são dedicadas ao dia-a-dia, que é o que monta grande parte dos capítulos do "Ser e o Tempo" da vida de um casal. as fervorosas posições políticas à favor do nazismo, das quais Elfride era incendiária, talvez estivessem mais arrebatadoras nas cartas que faltam: não há correspondência entre os anos de 1933-35, mas o assunto está sempre presente. e o amor, claro!


o ser que tudo sabe e tudo perdoa (carta de 30/08/1919):

“Tua carta chegou cedo esta manhã e eu já sabia o conteúdo. Falar em demasia e tudo analisar detalhadamente não leva a nada. Bastava que você me tivesse dito da tua maneira simples e direta. Eu não entendo de fato por que você se diz “estraçalhada” e eu recuso igualmente receber qualquer justificativa pseudo-psicológica – não por indiferença – mas porque eu te quero tanto que eu posso te ter de maneira imediata, que Friedel te ama, eu sabia há muito tempo – te interrogar sobre isto me teria parecido mesquinho – eu estou, talvez, surpreso que você não tenha me falado antes. É também característico de Friedel se sentir inibido por mim e, além do mais, claro, que ele só veja em mim um intelectual desajeitado aos horizontes burgueses. Seria ingênuo de minha parte e seria desperdiçar minhas forças que dele eu esperasse mais do que isso. Ao contrário: eu tentei lhe ser agradável e de lhe estimular, mesmo que esta tutela intelectual, à qual eu me rebaixei, me custou não receber jamais do outro a estimulação equivalente e do mesmo nível… Eu tenho confiança em você e em teu amor com a convicção peculiar que meu próprio amor tem por você – ainda que eu não perceba tudo – e que eu não compreenda exatamente qual fonte preenche a multiplicidade do teu amor.


o ser escravo de Eros (carta de 14/02/1970):

“Mas tem duas coisas que, até agora, eu nunca pude te contar sinceramente. De uma parte, o fato que eu não considero o nosso amor e o nosso casamento, apesar da impressão contrária que isso sempre possa parecer, dentro desta dimensão simplesmente prática ou no que eles têm de confortável mesmo, mas você sabe, ao contrário, a qual ponto tuas atividades e tua influência, até nos aspectos os mais mínimos e discretos, fazem parte da nossa vida comum e do meu pensamento como algo de essencial. A outra coisa, que tem uma maneira diferente e inseparável do meu amor por você e do meu pensamento, é difícil de dizer. Eu chamo de Eros, o mais antigo dos deuses segundo a palavra de Parmênide. Eu não te disse nada por enquanto que você não saiba por você mesma, todavia eu não acho a dimensão exata para me exprimir de maneira apropriada. Isso soa provavelmente superficial e sucumbe a uma forma que parece querer justificar vilanias e deslizes. A batida de asas deste deus aflora em mim cada vez que eu faço no meu pensamento um passo essencial e me arrrisco sobre caminhos não frequentes".

samedi 6 octobre 2007

He's Lost Control

“Control”, do holandês Anton Corbjin, acaba de estrear na França e é baseado no livro da viúva Deborah Curtis, "Touching from a distance: Ian Curtis and Joy Division", lançado em 1995. consumido pelo amor de 2 mulheres e aparentemente sem vontade de seguir o rumo da fama que o Joy Division estava prestes à alcançar, Ian Curtis decide partir na véspera da primeira turnê americana. o filme mostra com sensibilidade e beleza lírica os dramas da vida deste artista genial, de alma delicada e tomada pela angústia. o diretor, fotógrafo de bandas como U2, Depeche Mode e Nirvana e que ficou famoso através das fotos que fez do Joy Division, soube criar cenas em preto e branco cheias de poesia: a da tentativa de hipnose em que Bernard Sumner submete Ian e mesmo a da cremação do seu corpo estão carregadas de simbolismo. o drama romântico nos atinge violentamente e Sam Riley quase nos faz acreditar que é o próprio Ian Curtis que está na tela. imperdível!

Por que, em seu primeiro filme, você decidiu falar sobre Ian Curtis ?

Foi uma forma de fechar um ciclo. Foi a música de Joy Division que me estimulou a deixar minha Holanda natal para me aventurar na Inglaterra. Eu fiz fotos da banda e, depois da morte de Ian, elas se tornaram célebres e lançaram minha carreira de fotógrafo. Eu acho que este período, estas experiências de juventude, alimentaram o meu trabalho até recentemente e eu tive vontade de passar pra outra coisa, de trabalhar com coisas mais novas. “Control” marca, talvez, o início de uma carreira de diretor, mas marca também o fim de um capítulo da minha vida.

O que impulsionou Ian Curtis a se suicidar com 23 anos?

Ian estava dividido entre 2 mulheres: Debbie, com quem ele tinha casado muito jovem (aos 19 anos) e a jornalista belga Annik Honoré, que ele havia conhecido num show. No papel, claro, não é uma razão pra se matar. O problema é que ele tinha uma tendência depressiva. Além do mais ele tomava medicamentos contra a epilepsia que, combinados com álcool, causavam fortes mudanças de humor. Na cabeça de Ian, os seus problemas se tornavam insuportáveis.

Você convive com estrelas do rock há mais de 30 anos, por qual razão você acha que eles têm tendência a deixar a vida tão jovens?

São sempre pessoas frágeis. Estar perto da genialidade, às vezes, é lidar intimamente com a loucura.

Sam Riley, o ator que encarna Ian, é fantástico…

Ele foi uma descoberta incrível. Eu não queria alguém conhecido, o que complicava as coisas. Então encontramos Sam. Ele não apenas parece com Ian, ele tem a mesma textura vocal. Teve muitos acasos felizes neste filme, por exemplo: são os atores que interpretam eles mesmos todas as músicas. Foi idéia deles e para ser sincero eu não achava que isso funcionaria. No final o resultado ficou arrebatador.

Por que um filme em preto e branco?

Eu hesitei porque eu estava consciente que isto arriscaria afastar uma parte do público, especialmente dos Estados Unidos. Mas, se a gente pensa em Joy Division, se a gente lembra das fotos que foram feitas deles, elas são todas em preto e branco. Por tudo isso me pareceu ser a escolha certa.

Como foi a sua trajetória ?

Eu cresci numa pequena ilha ao sul de Rotterdam, num povoado onde o meu pai era o pastor local. Eu recebi uma educação fortemente religiosa, protestante, o que transparece no meu trabalho. Eu me tornei um apaixonado pelo mundo da música, que da minha pequena ilha perdida me parecia super misterioso. Eu dedici me aproximar pelo olhar da foto. Claro, isso não foi nada inocente: na religião protestante você não tem icônes, eles são considerados uma heresia. Tanto faz que fotografar me parecesse o auge da rebeldia, mais tarde eu percebi que o meu trabalho não era tão diferente daquele que o meu pai fazia: são as pessoas que me interessam. O ser humano, não o glamour. Minhas fotos, meu trabalho, só discutem isso.

* entrevista concedida à Olivier Bonnard

em 3 anos e apenas 2 álbuns, o Joy Division lançou as bases da new wave e mudou a história do rock. Bernard Sumner, guitarrista da banda e que se tornou o vocalista do New Order, fala do início de tudo.

Como se formou o Joy Division?

A gente vegetava em Manchester, uma cidade assolada pelas crises dos anos 70, as usinas fechavam uma atrás da outra. Então o punk chegou e foi depois de assistir a um show dos Sex Pistols, em 1976, que decidimos montar o grupo. A gente ensaiava nas usinas desativadas com as janelas destruídas. No inverno fazia muito frio, a gente fazia fogueiras pra se aquecer. Nestas condições tão duras você não pode olhar para o exterior para encontrar a beleza, é preciso encontrá-la em você mesmo. Eu acho que é por esta razão que tantos músicos vêm de Manchester.

As “Divisões da Alegria” designavam as mulheres judias que os nazistas usavam como escravas sexuais nos campos de concentração, o que valeu à banda suspeitas de ser simpatizante nazista…

O problema era que os outros nomes que a gente tinha pensado não eram bons: Hooky (o baixista) tinha pensado em Slaves of Venus, Steve (o baterista) em Sunshine Valley Dance Band. Eu vi o nome Joy Division lendo um livro sobre nazistas. Eu sabia que era um pouco duvidoso, mas na época do punk era o nome mais provocante. Nós jamais fomos neonazistas.

Você considerou abandonar o rock depois do suicídio de Ian, em 1980?

Sua morte asfixiou toda a criatividade em mim durante 6 meses. Felizmente, o instinto de sobrevivência levou vantagem. Decidimos formar um novo grupo, o New Order, e de só tocar canções inéditas, nada de Joy Division. Nós lançamos um álbum intitulado “Movement”, em 1981, mas eu não fiquei satisfeito. Foram necessários quase 2 anos para voltarmos à ativa de verdade.

Como surgiu a idéia de misturar o rock e o dance que o New Order foi pioneiro?

Indo às boates de Nova York. Era uma progressão natural porque algumas músicas do Joy Division, como “She’s Lost Control”, incorporavam ritmos meio dance. E depois eu estava super envolvido com a tecnologia, os sintetizadores começavam a aparecer na dance music. A gente completou a mudança na direção eletrônica com “Everything’s Gone Green”, depois “Temptation” e, claro, “Blue Monday”.

* entrevista publicada na revista Nouvel Observateur

jeudi 4 octobre 2007

"I'll Be Watching You"

Andy Summers estava na Taschen de Paris na sexta-feira passada autografando o seu livro "I'll Be Watching You - Inside The Police 1980-83". guitarrista e fotógrafo de uma das minhas bandas preferidas que voltou a se reunir depois de 20 anos para uma série de concertos pelo mundo, ele revirou o baú para montar esta livro incrível. durante 3 anos ele documentou bulimicamente em p&b a intimidade do Police: os bastidores dos shows, o trabalho em estúdio, as viagens, personagens inusitados que cruzaram o caminho da banda, fãs e, principalmente, a alma do Police.

em todos os sentidos o livro é grande (27 x 34cm) e apresenta mais de 600 fotos! é uma mistura de foto-jornalismo com diário ilustrado, Andy comenta e relembra várias situações. a seleção foi dura: ele tinha 25 mil negativos pra vasculhar... para os fanáticos e colecionadores, a Taschen fez uma edição limitada de 1500 cópias, numerada e assinada pelo artista (350 euros).

tem Sting tocando sem roupa no stúdio, fãs largadas em quarto de hotel (muitas vezes nuas), recepcionistas, aeromoças e aeroportos, Stewart Copeland e Sting "lutando", cenas simples do cotidiano da banda (comendo, bebendo, dormindo, no banheiro) e dezenas de fotos das cidades por onde passaram na época em que a banda havia dominado o mundo.

além da carreira musical que nunca parou (são mais de 20 álbuns), Andy Summers já expôs suas fotos, sempre em p&b, em galerias de Nova York, Los Angeles, Tóquio, Amsterdam, Londres e Paris; também publicou os livros: "Light Strings: Impressions of the Guitar", "Throb" e o autobiográfico "One Train Later: a Memoir".